domingo, 9 de março de 2014

“Procuro que o meu trabalho seja inquiridor e que as questões que levanta ajudem a alargar a forma como vemos e conhecemos o mundo.”




Entrevista Joana Vasconcelos, por Paula Dinis Viana, 26 de Novembro 2013.

Joana Vasconcelos vive e trabalha em Lisboa num atelier virado para o Tejo. Nasceu em Paris em 1971, mas cedo voltou para Portugal. É uma artista plástica invulgar que trabalha no domínio da arte pública, em esculturas e instalações de grandes dimensões, com materiais pouco convencionais. Joana vem de uma família de artistas. A arte está-lhe no sangue e o seu percurso profissional surgiu com naturalidade. Já conquistou o circuito internacional da arte contemporânea. Algumas das suas peças fazem parte de coleções de arte privadas, outras espalhadas pelo mundo fazem grandes exposições. No ano passado destacou-se por ser a primeira mulher a expôr em Versalhes com um número recorde de visitantes, este ano arrebatou o Palácio Nacional da Ajuda com a sua exposição, ainda levou o cacilheiro “Trafaria Praia” à Bienal de Veneza e recentemente foi a artista portuguesa convidada a criar uma peça a pedido da Casa Dior para a exposição no Grand Palais em Paris.
As suas obras de arte nascem das suas próprias ideias, do seu pensamento crítico enquanto mulher e artista contemporânea que pretende comunicar através das suas criações. Qual é a sua principal missão quando cria, qual a mensagem que pretende transmitir a quem vê as suas criações?
- Como artista assumo uma forma particular de me relacionar com o mundo e procuro proporcionar aos outros novos modos de ver, olhar e percepcionar. Procuro que o meu trabalho seja inquiridor e que as questões que levanta ajudem a alargar a forma como vemos e conhecemos o mundo. Faço questão de não fechar as minhas obras num raciocínio único ou numa só interpretação. A riqueza está nos diversos discursos e leituras que poderão emergir da experiência com a obra.
As suas esculturas e estruturas utilizam a grande escala, a cor, os objetos do quotidiano, a arte manual tradicional. Como explica o seu processo criativo desde a ideia até à materialização da obra, de que forma consegue descontextualizar objetos e recriá-los noutra realidade?
- Partindo de um conceito estabelecido, procuro como expressá-lo e materializá-lo, sendo que os materiais utilizados e seleccionados vão ao encontro do assunto que pretendo tratar. No caso do recurso a objectos do quotidiano, estes trazem consigo uma capacidade enorme de gerar significados, pelas associações que fazem surgir junto da nossa memória e pelo seu potencial para ganhar significações novas, quando desafiados a servir ou a questionar ideias.
Atendendo ao atual contexto político-económico que Portugal vive. Como artista portuguesa reconhecida de que forma vê o futuro da arte e da cultura no nosso país? Que conselhos daria ao Governo, aos orgãos de comunicação social e aos jovens artistas em prol das artes?
- Acredito que o Governo, o ensino e os próprios artistas deverão investir mais em Arte Pública – para que a arte seja acessível a todos.
Quando cria peças como A Noiva, os sapatos de Marylin, Coração Independente, as Valquírias, Lilicoptère, J’Adore Miss Dior... Obras de grande dimensão e impacto visual. Como imagina que o público as vai receber, como lida com as reacções (as boas e as más) do público e da crítica?
- Preocupo-me sobretudo em responder da melhor forma possível às minhas próprias exigências, pois os meus próprios requisitos são bem altos. No entanto, a minha obra também favorece e exige uma troca de ideias com o público. O seu papel não é estático, de mero observador, mas antes torna-se num interveniente da própria obra, gerando leituras variadas que partem da forma como percepcionam e respondem à obra. A meu ver, a arte só tem a ganhar com o confronto com o público, com culturas e pessoas diferentes, sejam as reacções boas ou más. Mas felizmente, a recepção é pela maior parte mais que positiva.
Exposições internacionais em Versalhes, Bienal de Veneza, Palazzo Grassi, Grand Palais de Paris, Museu de Arte de Telavive…e em Portugal no Palácio da Ajuda a exposição individual mais vista de sempre com quase duzentos mil visitantes. Como artista nacional, que projetos profissionais gostaria de ver realizados num futuro breve em Portugal?
- Gostaria de ver realizados projectos de Arte Pública no Norte e Sul do País e de fazer uma grande exposição no Porto.
Já viu obras de arte suas serem rejeitadas e censuradas em exposições, não só pelo público mas também pelos próprios curadores ou organizadores dos eventos. A Noiva, por exemplo, criação realizada com tampões. Enquanto criadora como reage ao poder da censura e à limitação da liberdade de expressão dentro do próprio meio artístico?
- A liberdade de criação é-me muito importante, e os artistas plásticos não trabalham segundo programas, como os designers e os arquitectos. No entanto, reajo com tranquilidade, no sentido em que aceito a diversidade de opiniões – faz parte do funcionamento do meio.
É uma artista de sucesso nacional e internacional. Consegue fazer uma auto-avaliação, uma retrospetiva do seu trabalho? Quais são os seus segredos, as suas mais-valias, os seus fracassos, os pontos diferenciadores que tornam as suas criações especiais?
- Penso que a pessoa que sou e a família que tenho em muito contribuem para o meu percurso. Sou uma pessoa sonhadora, muito trabalhadora, persistente e exigente, e tive a sorte de nascer no seio de uma família em que as artes não são vistas como o “papão negro”. Felizmente nunca me puseram entraves. Também tenho tido convites para fazer certas exposições, em determinados locais, que têm aberto portas - como Versalhes e as Bienais de Veneza. Os percursos não são ganhos com uma só exposição, mas estas oportunidades potenciam outros convites e dão uma maior possibilidade de melhor desenvolver a carreira. Olhando para o meu percurso, só posso dizer que é AAA+, como os ratings dos mercados.


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